Ensino remoto durante pandemia impactou alfabetização de crianças
Pesquisa indica prejuízo na aprendizagem dos estudantes. Profissionais da educação buscam alternativas para reverter o cenário, como o ensino lúdico e criativo
Utilizado
em caráter emergencial após o início da pandemia de Covid-19 no Brasil, o
ensino remoto se estabeleceu na rotina de alunos e professores pelo país. Com a
chegada dele, crianças entre 6 e 9 anos começaram a apresentar prejuízos na
alfabetização. Os motivos são diversos, mas entre eles se destaca a falta de
concentração dos estudantes fora do ambiente escolar.
Segundo
pesquisa feita pela Fundação Lemann, Itaú Social e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), divulgada em junho deste ano, 88% dos estudantes
matriculados no 1º, 2º e 3º anos do Ensino Fundamental estão em processo de
alfabetização. Dessa proporção, 51% das crianças ficaram estagnadas no mesmo
estágio de aprendizado durante o ensino remoto – 29% não aprendeu nada de novo
e 22% desaprendeu parte do que já sabia, de acordo com a percepção dos pais e
responsáveis.
Vitor de
Angelo, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed),
destaca que, por conta da situação urgente que a pandemia trouxe, as novas
formas de ensino dependem das condições de se ensinar, “sejam elas boas ou ruins, mas seguindo os protocolos de biossegurança.”
Apesar
disso, o presidente reconhece as consequências causadas pelo modo online: “O ensino remoto tornou-se uma necessidade em
função das condições que a pandemia nos impôs, mesmo assim, a capacidade de
entrega é muito menor [do que a do presencial]. Isso vai se refletir no
resultado de aprendizagem mais adiante.”
Impactos
Em
agosto, escolas de Itaperuna, município do Rio de Janeiro, tiveram as aulas
suspensas após o retorno do presencial. O motivo foi o aumento de casos da
Covid-19 e a precaução por conta da variante Delta. As crianças em
alfabetização, porém, não foram afetadas por nenhuma suspensão, pois o retorno
da faixa etária na rede municipal está previsto apenas para 5 de outubro.
O
município contém 140 escolas, entre públicas e privadas, e 10.876 matrículas no
Ensino Fundamental, segundo dados do IBGE.
De acordo
com Fabiana França, coordenadora geral executiva de Apoio à Política
Educacional da prefeitura de Itaperuna, durante o ensino remoto, o município
buscou manter contato com todos os matriculados para que estes tivessem acesso
ao conteúdo escolar, seja de forma online ou impressa, no caso daqueles que não
possuíam internet.
Em
relação ao prejuízo na alfabetização, Fabiana acredita que novas metodologias
precisam ser reinventadas para a recuperação da aprendizagem, mas sem deixar de
lado o contato do professor com o aluno. O tempo para se alcançar esse objetivo
depende de caso a caso, como explica a coordenadora.
“Alguns alunos, em poucos meses, terão o seu
percurso educacional recuperado, mas outros levarão mais tempo devido a
dificuldades maiores. O tempo de aprendizagem de cada aluno é variável, muitas
vezes a gente observa a diagnose, traça um percurso formativo, mas esse aluno
nos surpreende no processo”, diz.
Entre as
crianças que podem levar mais tempo para recuperar os resultados escolares,
estão as com transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Para a
psicóloga Heliane Dantas, a situação do ensino remoto para as crianças com a
condição “é um desastre”. Ela completa: “Dentro
da própria sala de aula já existe uma dificuldade para os professores
conduzirem uma alfabetização para as crianças de TDAH, imagina online! É uma
situação difícil e, retornando ao presencial, é necessário um trabalho
personalizado e reforço pedagógico para reverter.”
Ensino criativo
A
psicóloga comenta, ainda, a possibilidade do ensino lúdico, realizado por meio
de brincadeiras, para ajudar a reverter o prejuízo na alfabetização das
crianças com déficit de atenção. Porém,
ela também aponta que são poucas as escolas que aplicam o método.
“Nós temos que refletir se nós
temos unidades escolares suficientes para que reverta o cenário. Se o ensino
lúdico existir nelas, aí sim ele tem a capacidade de ajudar não só no TDAH, mas
em diversas outras dificuldades escolares que possam existir”, afirma.
Isabelle
Reis, 29, é professora do 4° ano em uma escola privada de Angra dos Reis, no
Rio de Janeiro. No início da pandemia, ela resolveu postar no YouTube, dicas de
como ministrar videoaulas. “Nós,
professores, tivemos que virar cinegrafistas, editores de vídeos. A ideia era
ajudar pessoas que se sentiam perdidas, assim como eu me senti no início”, relata.
A
iniciativa não só deu certo, como foi ampliada. Hoje, Isabelle produz conteúdo
para as redes sociais voltado para a alfabetização e ensino lúdico, sempre
utilizando formas criativas de ensinar por meio de quebra-cabeças, moldes e
jogos.
“Se a gente ensina de forma
criativa, com uma brincadeira, uma música, a criança vai assimilar aquilo da
maneira mais simples possível e é assim que ela vai acabar aprendendo os
conteúdos de uma forma muito mais prazerosa”, declara. “O
meu objetivo é que cada dia de aprendizagem seja um dia marcante.”
A
professora também destaca que a ludicidade é importante não só para a fase da
alfabetização, mas para os anos seguintes. Porém, independente do ano ou idade,
o envolvimento dos pais é imprescindível.
“Dá para ver exatamente quais são
os pais que abraçam a causa. Se eu estou alfabetizando na escola, é importante
que também tenha um estímulo dos pais em casa, de se sentarem com as crianças
para fazerem as atividades, os jogos. Se não tem essa parceria dos pais com a
escola, nós acabamos demorando mais nessa caminhada”, afirma.
Em Angra
dos Reis, os estudantes já estão em ensino híbrido, intercalando o modo remoto
e presencial em grupos e semanas. As aulas não foram suspensas em nenhum
momento após o retorno em agosto. O município possui 157 escolas, entre
públicas e privadas, e 21.746 matrículas no Ensino Fundamental, segundo dados
do IBGE.
Projeção no Brasil
Em
relação às avaliações oficiais de aprendizagem no Brasil durante a pandemia de
Covid-19, é difícil fazer uma projeção de estados mais avançados no ensino. É o
que diz o presidente do Consed, Vitor de Angelo: “Essa medição só será possível quando fizermos uma avaliação nacional
comparável de estado com estado, o que ocorrerá apenas no final deste ano, com
o SAEB.”
O Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) é um conjunto de sistemas de
avaliação do ensino brasileiro, desenvolvido e gerenciado pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Em 2020,
não houve a realização do indicador. A edição de 2021 será aplicada entre os
meses de novembro e dezembro.
Fonte: Brasil 61