Desinformação é maior entrave para controle do câncer do colo do útero
Desconhecimento atinge tanto pais quanto meninos e meninas
A desinformação, envolvendo muitos mitos e fake news (notícias falsas), é a principal barreira para o controle do câncer do colo do útero no Brasil segundo estudo divulgado hoje (3) pela Fundação do Câncer, dentro da campanha da União Internacional para o Controle do Câncer (UICC) alusiva ao Dia Mundial do Câncer, que se comemora amanhã (4). A pesquisa inédita Conhecimento e Práticas da População sobre Prevenção do Câncer do Colo do Útero tomou por base estudos publicados entre 2003 e 2020 na literatura científica nacional e internacional.
O objetivo foi identificar as barreiras e as lacunas existentes sobre a vacinação contra o vírus HPV (sigla em inglês para Papilomavírus humano) e o rastreamento para o câncer do colo do útero, responsável pela morte de mais de 6 mil mulheres por ano no Brasil. A Organização Mundial da Saúde (OMS) quer atingir, até 2030, metas que visem erradicar o câncer de colo do útero, causa de morte de mais de 331 mil mulheres por ano, em todo o mundo.
O médico epidemiologista Alfredo Scaff, consultor da
Fundação do Câncer, disse que o câncer do colo do útero é evitável porque as
pessoas já dispõem de uma vacina contra o vírus HPV, que causa a doença. O
levantamento vem contribuir, segundo ele, para diminuir os buracos existentes
entre os cuidados disponíveis para o controle desse câncer no mundo e no
Brasil, devido à constatação de um distanciamento muito grande entre o acesso e
a oportunidade do tratamento da doença entre pessoas, dependendo da região onde
moram, se têm ou não plano de saúde ou acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS).
“Esse câncer é uma das maiores iniquidades que nós
temos na oncologia hoje. É no mundo inteiro mas, no Brasil, isso é muito
evidente. O câncer do colo do útero é o primeiro câncer que tem uma vacina”,
disse Scaff, que acrescentou que 99% dos cânceres do colo do útero são causados
pelo vírus chamado HPV, que tem uma vacina. “Tem que vacinar”.
Scaff estima que, em uma geração, pode-se controlar
esse tipo de câncer. Ele reconheceu, entretanto, que existem problemas para se
alcançar uma imunização completa da população-alvo, que são meninas entre 9 e
14 anos de idade e meninos de 11 a 14 anos.
Conhecimento
A médica Flávia Miranda Corrêa, doutora em saúde
coletiva, pesquisadora da Fundação do Câncer e responsável pela pesquisa,
esclareceu que a primeira parte do levantamento, divulgado hoje, se refere ao
conhecimento e práticas da população sobre a prevenção do câncer do colo do
útero, tendo como público-alvo 7.712 crianças e adolescentes entre 10 e 19
anos; 3.335 pais e responsáveis entre 18 e 82 anos; e 54.617 mulheres na faixa
etária de 14 a 83 anos.
A segunda parte, envolvendo o conhecimento e
práticas dos profissionais de saúde sobre prevenção e rastreamento, deverá ser
liberada no final do próximo mês. Serviram de base à pesquisa 68 estudos, sendo
16 sobre vacinação e 52 sobre rastreamento da doença.
Resultados
Os primeiros resultados em relação às barreiras
sobre a vacinação contra o HPV entre crianças e adolescentes mostram que entre
26% e 37% dos consultados não sabiam que a vacina previne contra o câncer do
colo do útero; entre 53% e 76% ignoravam que a vacina diminui a incidência de
verrugas nos órgãos genitais. Flavia afirmou que isso demonstra que a maioria
das crianças e dos jovens ignora para que serve a vacina.
Entre os entrevistados, 82% acharam que a vacina
protege contra infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). “Esse é um problema
muito importante, porque a gente sabe que não é verdade. A vacina é específica
para o HPV e pode dar uma sensação de falsa proteção. Esse desconhecimento tem
que ser desconstruído”, apontou a médica.
Além disso, entre 36% e 57% das crianças e
adolescentes ouvidos acham que a vacina pode ser prejudicial à saúde. Flávia
contra-argumentou que a vacina é segura, está no mercado desde 2006 e há um
monitoramento constante. A médica considerou que essa ideia apurada é errônea e
pode ser um impeditivo muito grande para a vacinação.
Entre 35% e 47% acreditam que a vacina pode
incentivar a iniciação sexual precoce. “Não é verdade. Inclusive no contexto do
Brasil, nós sabemos que não induz a uma atividade sexual mais precoce”. Entre
32% e 50% não sabiam o número correto de doses. A vacina contra HPV é tomada em
duas doses, no intervalo de seis meses, informou a pesquisadora da Fundação do
Câncer.
Pais e responsáveis
O desconhecimento continua entre os pais e
responsáveis: 17% não sabiam que a vacina previne câncer do colo do útero; 33%
não tinham ideia sobre a prevenção de verrugas anais e genitais; 74% imaginavam
que a vacinação previne outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs); 20%
achavam que o imunizante pode ser prejudicial à saúde; entre 34% e 61% não
conheciam a população-alvo que deve ser imunizada contra o HPV; e 22%
acreditavam que a vacina pode incentivar a iniciação sexual precoce dos filhos.
Flávia Corrêa disse que a vacina é cada vez mais
eficaz quando usada em quem não tem atividade sexual ainda. Ela esclareceu que
a vacina tem a função específica de evitar os danos do HPV, como verrugas,
lesões precursoras e o próprio câncer de colo do útero. Advertiu que doenças
como sífilis, contágio por HIV (Aids) e demais DSTs não são contempladas nessa
imunização.
Rastreamento
Os estudos para identificar se as mulheres conheciam
os exames preventivos de rastreamento do câncer do colo do útero (Papanicolau)
constataram conhecimentos e práticas inadequadas entre 40% e 71% do público
consultado, respectivamente. Os motivos apontados pelas mulheres que nunca
realizaram o exame preventivo foram: “não achavam necessário” (45%), “não foram
orientadas” (15%), “tinham vergonha” (13%) e “nunca tiveram atividade sexual”
(8,8%).
A conclusão da pesquisa da Fundação do Câncer é que
o conhecimento deficiente e práticas equivocadas sobre a vacinação contra HPV e
o rastreamento do câncer do colo do útero estão associados à baixa renda, menor
escolaridade, cor da pele parda ou negra, residência em áreas urbanas pobres e
rurais, o que reforça a importância da luta contra a iniquidade.
É preciso ainda esclarecer a população quanto a
problemas relacionados a falsas informações e fake news divulgadas pela
internet sobretudo, que facilitam práticas equivocadas. A Fundação do Câncer
pretende atuar para passar informações corretas e de qualidade para toda a
população.
Vacinação gratuita
Alfredo Scaff destacou que o Brasil é um dos poucos
países do mundo em que a vacinação contra o HPV é universal, pública e gratuita
pelo SUS, integrando o Programa Nacional de Imunização (PNI). O problema,
reiterou, é a falta de informação para a vacinação. A imunização contra o HPV é
menor entre meninos do que entre as meninas. Em 2020, 55% das meninas
brasileiras de 9 a 14 anos tomaram as duas doses da vacina. Entre os meninos de
11 a 14 anos, a taxa dos que completaram o ciclo vacinal foi 36,4%.
Além de a vacina para meninos ter sido iniciada dois
anos depois que a das meninas, a médica Flávia Corrêa explicou que há
desconhecimento de que a vacina é importante para os garotos não só para que
eles não transmitam o HPV para as meninas mas, também, para protegê-los de
doenças relacionadas ao vírus HPV, como câncer de pênis, câncer anal e de
orofaringe (parte da garganta localizada atrás da boca).
No dia 4 de março, no Dia Internacional de
Conscientização sobre o HPV, a Fundação do Câncer mobilizará a população sobre
o tema, com postagens em suas redes sociais. Em 26 de março, Dia Mundial da
Prevenção do Câncer de Colo do Útero, a entidade abrirá inscrições para um
curso voltado aos profissionais de saúde, com foco na atenção primária, cujo
início está previsto para abril.
Por Agência Brasil