Jovem de 27 anos diagnosticada com câncer de mama conclui quimioterapia e toca "sino da vitória" no Hospital Alberto Cavalcanti
Pacientes oncológicos em diversos países tocam o sino para simbolizar o início de uma nova etapa de vida
A advogada Bárbara
Dias, 27 anos, realizou, na sexta-feira (21/7), sua última sessão de
quimioterapia. Emocionada, ela caminhou em direção ao "sino da
vitória", instalado em uma das paredes da sala de infusão de
quimioterápicos do Hospital Alberto Cavalcanti (HAC) do Complexo de Especialidades
da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig),
localizado no bairro Padre Eustáquio, em Belo Horizonte, e o fez badalar
diversas vezes.
O gesto acompanhado por sua mãe, demais pacientes e profissionais do hospital
também emocionou a todos devido ao forte simbolismo que traz consigo: o final
de uma das etapas mais dolorosas do tratamento oncológico e, especialmente
naquele dia, a retomada da “cerimônia do sino da vitória” no hospital.
Raro em mulheres jovens
Casos de câncer de mama em mulheres jovens não são comuns. Segundo o Instituto
Nacional de Câncer (Inca), esse tipo de neoplasia maligna é raro nas faixas
etárias inferiores aos 40 anos, pois a maior parte dos casos ocorre a partir
dos 50 anos. Quando diagnosticado em mulheres jovens como no caso de Bárbara
Dias, o câncer de mama tende a ser mais agressivo.
Bárbara conta que observou algo estranho em sua mama esquerda ao retornar de
uma viagem à praia no feriado de 15/11 do ano passado. Após uma consulta, a
médica solicitou a realização de uma biópsia. O resultado do exame saiu no dia
23/12, dois dias antes do Natal, e revelou um câncer em estágio 3 – considerado
localmente avançado. Com o diagnóstico, ela iniciou as sessões de quimioterapia
no HAC em janeiro deste ano. “Chorei muito ao ouvir que o resultado da biópsia
era positivo. Pela minha idade, nunca imaginei passar por isso”, conta a jovem
advogada.
Impacto e pausa
Sem histórico familiar de câncer de mama, a jovem diz que estava trabalhando e
construindo uma carreira, além de ter iniciado uma segunda graduação, quando
foi surpreendida pela doença. Ela teve que pausar não somente seu emprego como
também os estudos. “No início foi extremamente difícil; se não fosse minha mãe,
seria ainda mais. Eu não queria sair de casa, estava um pouco deprimida. Quando
fazia quimioterapia, sentia muito enjoo, cansaço e dores nas pernas. Com o
tempo, fui saindo aos poucos com minha mãe, sempre respeitando os limites do
meu corpo. Me deparar no hospital com médicos e, principalmente, enfermeiras
positivas, alegres e à minha disposição para oferecer qualquer suporte, me deu
muito ânimo para encarar as sessões”, conta.
Bárbara relata ainda que, depois do diagnóstico, passou a se divertir mais, a
cuidar da saúde, a frequentar a academia e, principalmente, a ter mais fé. “O
câncer aflorou minha religiosidade. Foram seis meses árduos, agora é a
consagração da minha vitória. Tocar o sino é uma forma de comemorar com as
enfermeiras, demais profissionais do hospital e com minha mãe, além de ser uma
forma de motivar outras pacientes”.
Para Rosemary Dias, 55 anos, cuidadora de idosos e mãe de Bárbara, a cerimônia
do sino significa superação e fé na medicina. “É um misto de emoções.
Quando minha filha teve o diagnóstico, chorei muito, fiquei abatida por causa
das ideias preconcebidas sobre a doença. Entre os idosos de que cuido, há
pacientes oncológicos e estou acostumada a me deparar com um desfecho de
morte”.
Esse cenário contribuiu para o impacto inicial que a notícia da doença de sua
única filha lhe causou. Rosemary a acompanhou ao longo de todo o tratamento e
conta que ficava acordada à noite, temerosa de que Bárbara se sentisse mal e
ela não estivesse por perto para ajudá-la. Segundo a mãe, foram momentos difíceis
que ficaram para trás com o fim das sessões de quimioterapia.
Pintura especial
A prática de tocar o sino no HAC – referência estadual em oncologia, teve
início na antiga sala de infusão da unidade em setembro de 2020 e foi
temporariamente interrompida, no ano passado, para que o setor ocupasse uma
área maior e mais confortável para os pacientes. Com a mudança, a parede do
sino ganhou uma pintura especial realizada pela artista plástica Thaís Aguiar e
uma frase de incentivo: “nunca duvide da sua força”.
Idealizadora da pintura, Thaís Aguiar sublinha que todas as suas obras são
carregadas de significados. “Essa é muito especial para mim por fazer parte de
um momento ímpar na vida do paciente. Saber que, de alguma forma, contribui
para a alegria desse momento, principalmente por meio da arte, me traz uma
sensação enorme de gratidão e alegria”, ressalta.
Em 2021, 8.207 pessoas passaram pela quimioterapia do HAC. No ano passado,
foram 7.716 e até junho deste ano, outras 3.932 pessoas realizaram sessões de quimioterapia.
Somadas, elas representam quase 20 mil pacientes no período de dois anos e
meio. Apenas no primeiro semestre deste ano, foram realizadas 770 primeiras
consultas no ambulatório de oncologia.
Jean de Jesus
Soro da esperança
A história de Bárbara Dias e da “cerimônia do sino da vitória” no HAC se
conectam e reforçam o sentido atribuído à sala de infusão pelos profissionais
que nela atuam. Como explica a enfermeira Gislene Silva, a sala de infusão é um
ambiente de acolhimento. “A pessoa pode chegar derrotada e sem esperança. A
primeira quimioterapia é o ponto crucial para despertar a esperança e o desejo
de continuar. Na última sessão, quando toca o sino, ela abre um sorriso que
justifica o nosso trabalho”, confessa.
Segundo Gislene, ao receber o diagnóstico de câncer, a maioria das pessoas o
interpreta como uma sentença de morte por se tratar de uma doença estigmatizada
e de difícil manejo. “Tenho uma frase que uso com nossos pacientes: na sala de
infusão servimos o soro da esperança, se existe tratamento, existe chance de
cura".
A enfermeira oncologista Giselle Vaz, que também atua no setor de Quimioterapia
do HAC, reconhece que ela e os demais profissionais do hospital têm a
responsabilidade de cuidar de seres humanos que vivenciam uma das piores fases
de suas vidas. “Não podemos esquecer de que essas pessoas são muito mais do que
um diagnóstico, elas têm uma história de vida e são o amor de alguém. Como
diria Patch Adams – médico norte-americano e um dos pioneiros da humanização da
assistência hospitalar, ‘ao cuidar de uma doença você pode ganhar ou perder. Ao
cuidar de uma pessoa você sempre ganha’”, reitera.
Toque o sino
Foi esse sentimento de vitória que motivou uma ex-paciente do hospital a doar o
sino que hoje simboliza a retomada das rédeas da própria vida para aqueles que
o tocam. Depois de saber sobre a prática por meio de uma reportagem
jornalística em 2020, essa ex-paciente, que tratava um câncer de mama, contou
que desejava tocar o artefato de bronze para marcar o fim das suas sessões de
quimioterapia. “E assim aconteceu, no último ciclo de quimioterapia, ela e o
esposo doaram o sino para a sala de infusão e o tocaram pela primeira vez”,
relembra Giselle Vaz.
Desde então instalado na sala de infusão do HAC, o sino que remete à campanha
mundial “Ring the Bell” foi rebatizado como “Sino da Vitória”. Para a
coordenadora da unidade ambulatorial oncológica e quimioterápica do HAC, a
enfermeira Cíntia Esteves Soares, ele representa o ápice do trabalho dos
profissionais do hospital. “O sino representa o fim de um ciclo de forma
vitoriosa”.
O que viria a se tornar uma tradição internacional, teve origem em 1996, em um
dos hospitais de referência em tratamento oncológico nos Estados Unidos – o M.
D. Anderson Cancer Center, quando o almirante da Marinha Irve Le Moyne, em
tratamento de um câncer de cabeça e pescoço, fez a doação de um sino para o
setor de radioterapia como forma de celebrar a superação da doença. Assim
nasceu o “Ring the Bell” (Toque o Sino).
Momentos de felicidade
Com o objetivo de incluir todos os pacientes, independentemente do desfecho da
doença, os profissionais do setor de Quimioterapia os incentivam a tocarem o
sino em momentos de felicidade e não somente na conclusão do tratamento.
“Os exames estão bons e você conseguiu realizar a quimioterapia depois de muito
tempo suspenso? Toque o sino. Seus exames de reestadiamento (para verificar o
quanto a doença se espalhou pelo corpo) mostraram que o tumor está controlado?
Toque o sino. Seu netinho nasceu ou sua filha se casou? Toque o sino. É seu
aniversário? Toque o sino. Estar vivo é motivo para comemorar”, explica Giselle
Vaz.
A enfermeira ressalta ainda que a Oncologia é uma especialidade complexa, que
requer uma abordagem interdisciplinar e humanizada durante todas as fases do
tratamento. “O serviço de Oncologia do Hospital Alberto Cavalcanti tem,
historicamente, o preceito do atendimento singular e individualizado que busca,
sempre, alternativas para amenizar as dificuldades que os pacientes e seus familiares
enfrentam com o diagnóstico de um câncer”, pontua.
Jean de Jesus
Melhores
“Os pacientes nos inspiram todos os dias a sermos melhores e a sermos mais
fortes. A quimioterapia é tensa, rimos e choramos juntos. Sorrimos com suas
vitórias, nos envolvemos e, muitas vezes, levamos suas histórias conosco. Posso
dizer, com toda a certeza, que somos melhores no amor, melhores na dor,
melhores em tudo depois que convivemos com esses pacientes”, assegura a
enfermeira Gislene Silva.
Para a auxiliar de produção Marina Gonçalves Ferreira, 61 anos, que também
trata um câncer de mama e planeja tocar o sino em 11/8 deste ano, “a doçura das
enfermeiras é fundamental. Não tem explicação, elas são os anjos que Deus nos
manda. Essas meninas são maravilhosas”, exclama.
A socióloga Nilma Barbosa da Conceição, 58 anos, conta que tem três sessões de
quimioterapia pela frente. Diagnosticada com câncer de mama em outubro do ano
passado, pouco depois de perder a irmã mais velha com a mesma doença, ela tem
experimentado uma dupla ansiedade depois que iniciou a quimioterapia. “Amo essa
turma, fico ansiosa para reencontrá-la e, ao mesmo tempo, para concluir o meu
tratamento", pontua.
Fonte: Agência Minas