MPT resgata trabalhadores em carvoaria que se encontravam situação análoga à escravidão
O fato ocorreu na região de Brasilândia de Minas
Uma operação, finalizada
nesta sexta (5), resgatou 66 pessoas do trabalho escravo contemporâneo em uma
carvoaria em Brasilândia de Minas (MG). Além de ter seus documentos retidos, o
grupo estava em condições tão degradantes que usava as próprias roupas e folhas
de livros didáticos descartados na ausência de papel higiênico.
De acordo com a auditora
fiscal do trabalho Andréia Donin, coordenadora da ação, com a alta na demanda
por parte de siderúrgicas, carvoarias passaram a aliciar pessoas de outras
regiões do país.
Esse é o terceiro resgate
de trabalhadores em condições análogas às de escravo em carvoarias de Minas
Gerais neste ano. A atividade foi o segundo maior palco de libertações de pessoas
em 2020.
“Os trabalhadores estavam
sendo colocados em frentes de trabalho sem as mínimas condições. E não havia
nenhuma medida de prevenção ao Coronavírus. Parecia que a pandemia não
existia”, afirma Donin.
Além dos auditores, a ação
do grupo de fiscalização móvel também contou com a participação do Ministério
Público do Trabalho, do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e da
Defensoria Pública da União.
Tráfico de pessoas
vulneráveis para atuar em carvoarias
A maioria dos trabalhadores
encontrados pela fiscalização eram de municípios do Paraná. “Alguns foram
aliciados em abrigos, pois haviam ficado desempregados durante a pandemia, o
que mostra o nível de vulnerabilidade”, explica o procurador do Trabalho
Italvar Medina, vice-coordenador de erradicação do trabalho escravo do MPT, que
participou da operação.
Os migrantes tiveram os
documentos retidos pelo empregador, inclusive carteiras de trabalho (que não
foram assinadas), RGs, CPFs, carteiras de habilitação, certificados de
reservista, títulos de eleitor, certidões de nascimento e até um cartão
bancário. A manutenção de documentos pessoais com os patrões é um dos elementos
que mantém o vínculo forçado.
“Eram aliciados com uma
promessa de remuneração de R$ 3 mil por mês, bons alojamentos, passagens e ida
e volta, mas, quando chegavam, viam que a promessa era falsa, que o trabalho
seria por produção e que os alojamentos eram péssimos”, explica Andréia Donin.
“Pelos cálculos deles, não
iam ganhar nem um salário mínimo. E, para piorar, salários estavam atrasados.”
Páginas de livros didáticos
no lugar de papel higiênico
Os alojamentos, de acordo
com a fiscalização, eram precários. Não havia camas para todos. Em um deles, os
trabalhadores dividiam espaço com um depósito de óleo diesel e gasolina, mas
não haviam sido informados disso. E o grupo contava com fumantes.
Nos alojamentos, foram
encontrados livros didáticos que haviam sido descartados sendo usados como
substitutos de papel higiênico.
“A presença do livro
didático impressionou pelo sentido metafórico da situação. Livros didáticos que
deveriam ter sido entregues pelo poder público para melhorar a vida dos
trabalhadores só vieram a ser fornecidos a eles com essa finalidade”, avalia
Italvar Medina.
Nas frentes de trabalho não
havia instalações sanitárias, apesar de obrigatórias por lei. “Alguns se
limpavam com a roupa, com o boné, com um pedaço de pano após fazer no meio do
mato”, explica o procurador.
Parte dos trabalhadores
deixava o alojamento às 4h30 e só voltava no final da tarde. Também não havia
local para lavar as mãos cobertas de fuligem. Almoçavam ao lado dos fornos ou
nos locais de corte de madeira. Não contavam com todos equipamentos de proteção
individuais apropriados para todos.
As duas empresas são
pequenas, mas fornecem para siderúrgicas da região de Sete Lagoas e
Divinópolis. O Ministério Público do Trabalho (MPT) está investigando as
cadeias produtivas do carvão vegetal para a fabricação do aço na região e
defende que indústrias também são responsáveis pela situação.
Os trabalhadores chegaram
em datas variadas. Os do Paraná vieram entre dezembro e janeiro.
Os dois empregadores, de
pequeno porte, foram obrigados a pagar quase R$ 405 mil em salários e verbas
rescisórias e fecharam termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público
do Trabalho e a Defensoria Pública da União. Com isso, prometeram pagar R$ 574
mil entre danos morais individuais e coletivos, aos trabalhadores e à sociedade.
Fonte: JP AGORA