Projeto 'Justiça em Rede' é inaugurada em Carmo do Paranaíba
A iniciativa é do TJMG em parceria com a coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar.
O projeto Justiça em Rede do Tribunal de Justiça de Minas Gerais tem
como alvo formar redes de serviços que atendam à mulher em situação de
violência de forma integral, em reivindicações que vão da saúde à cidadania,
passando pela assistência social. Uma iniciativa piloto está sendo implementada
em Carmo do Paranaíba, na região do Alto Paranaíba.
À frente dessa mobilização multidisciplinar e interinstitucional estão
os juízes Denes Marcos Vieira, diretor do foro e titular da Vara Criminal de
Carmo do Paranaíba, e Cibele Mourão Barroso de Figueiredo Oliveira, da 2ª Vara
Criminal, de Execuções Penais e de Cartas Precatórias Criminais de Itabira.
A iniciativa, apoiada pela Coordenadoria da Mulher em Situação de
Violência Doméstica e Familiar (Comsiv), se baseia na troca de conhecimentos e
experiências entre magistrados e na implementação orientada de boas práticas e
metodologias bem-sucedidas na área, com vistas a atacar a ocorrência de
violência física, psicológica, moral, sexual e patrimonial.
De acordo com a juíza Cibele Mourão, integrante da Comsiv, um dos
objetivos é replicar, nas comarcas, o protocolo de intenções firmado pelo TJMG
e por instituições parceiras, estreitando a cooperação e aprimorando a comunicação. “O lema do projeto é a integração, com
todos voltados para fortalecer as ações de enfrentamento à violência contra as
meninas e mulheres no Estado de Minas Gerais.”
Parceria
O juiz Denes Vieira conta que o engajamento na causa foi deflagrado por
um episódio trágico, que o interpelou de modo contundente, e se consolidou com
a oportunidade de participar de um curso de atualização sobre a Lei Maria
Penha, oferecido pela Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef). A
juíza Cibele Mourão foi uma das tutoras.
“Depois de um bárbaro feminicídio
ocorrido na comarca, atualmente já julgado, compreendi que outras medidas, além
das judiciais, precisavam ser postas em prática para evitar que fatos idênticos
se repetissem. Na capacitação, comentei que sentia necessidade de fazer um algo
mais para melhorar o atendimento às vítimas de violência. O convite para
trabalharmos juntos nasceu desse primeiro contato”, disse.
Segundo a magistrada Cibele Mourão Barroso, o Justiça em Rede
surgiu da percepção de que muitos juízes desejavam articular, em suas comarcas,
a rede de proteção e de enfrentamento à violência doméstica, mas encontravam
dificuldades. A Comsiv, então, passou a oferecer aos interessados apoio e
orientação, participando das reuniões e dos diálogos institucionais locais.
“A integração entre as instituições é
imprescindível para a efetividade das medidas protetivas de urgência deferidas
pelo Judiciário e, principalmente, para que possamos vislumbrar uma
transformação cultural, com a redução — e, por que não, enquanto um
ambicioso horizonte a perseguir, a aniquilação — da violência de gênero
produzida pela sociedade machista e patriarcal”, destaca.
Para a juíza, atuar no projeto-piloto, em Carmo do Paranaíba, foi uma
satisfação. “O colega Denes Marcos aceitou o desafio e, juntos, estamos
alcançando ótimos resultados, com a integração da rede, a criação de fluxos de
trabalho e protocolos de compromissos institucionais com a causa”, afirma.
Cenário complexo
O diretor do foro, juiz Denes Marcos Vieira, avalia que, considerando a
população total de Carmo do Paranaíba, em torno de 40 mil habitantes, os
números envolvendo a violência doméstica e familiar contra as mulheres são
elevados — e ainda é preciso considerar os casos que não são oficialmente
conhecidos. O cenário, segundo ele, foi agravado no período crítico da pandemia
da covid-19, o que também condicionou os preparativos e tratativas do projeto a
acontecer de forma virtual.
Um ponto positivo, porém, é que o município de Carmo do Paranaíba já
possuía uma rede articulada. “É uma
estrutura de excelência, digna de grandes centros urbanos. São profissionais
que, de longa data, já desenvolviam um exímio trabalho de prevenção e
atendimento às vítimas de violência doméstica e familiar”, defende.
O juiz diz ter se surpreendido com a receptividade à proposta e com as
condições de resposta já existentes. “Todos
se mostraram abertos para eventuais reestruturações. Na realidade, o que
faltava era mais diálogo, interlocução e conhecimento sobre o papel de cada um
dos atores que compõem a rede de proteção local. Cada membro,
indiscutivelmente, foi e é relevantíssimo para o bom funcionamento da rede”,
diz.
Foi elaborado um fluxo de atendimento incluindo órgãos de segurança e de
proteção, Judiciário e Ministério Público. “A
OAB/MG já manifestou interesse no projeto. Está em elaboração um protocolo de
intenções, o qual será assinado por todos os envolvidos. Em seguida,
partiremos, se tudo correr bem, para a capacitação da rede até o fim do ano”,
antecipa. O juiz espera que o primeiro encontro se realize em outubro.
Resultados e planos
Atualmente, o magistrado observa que as mudanças já se fazem notar. “Os diversos equipamentos estão em constante
diálogo, para aprimorar o atendimento às vítimas, criar e implantar medidas
preventivas e repressivas. A autoridade policial e o MPMG têm dinamizado os
feitos criminais dessa natureza, dando-lhes maior celeridade, e há notícias da
diminuição de incidentes violentos na comarca”, afirma.
Segundo Denes Vieira, os processos de violência doméstica e familiar têm
prioridade na tramitação, e os casos de feminicídio aptos para julgamento foram
finalizados ou estão com sessão agendada. “Hoje,
não há audiências para agendar em Carmo do Paranaíba. Também não há feito
pendente de julgamento. No campo judicial, pretendemos acelerar ainda mais a
análise e o julgamento das demandas criminais alusivas à violência doméstica e
familiar.”
Mas os planos não param por aí. Outra meta é seguir reduzindo o número
de crimes violentos na região, viabilizar grupos reflexivos para autores de
violência doméstica a partir de 2022, disponibilizar uma sala no Fórum Doutor
Barcelos para acolhida das vítimas e realização de encontros mensais, com o objetivo
de repassar orientações e informações sobre a rede.
Como mobilizações de caráter mais permanente, ele planeja propor
campanhas locais de prevenção e elaborar cursos e palestras, sobretudo em
escolas, para conscientizar os alunos sobre o assunto. Estão previstos para a
rede, ainda, de acordo com o juiz, encontros mensais e/ou bimestrais, com o
objetivo de melhorar a interlocução entre seus membros.
Papel institucional
Segundo o juiz, o TJMG, por meio da Comsiv e de seus magistrados, tem
desempenhado “um valioso e imprescindível
trabalho” no julgamento das demandas cíveis e criminais, na articulação e
integração dos demais poderes, órgãos e entidades, e no desenvolvimento de
políticas públicas voltadas para a prevenção e o enfrentamento da violência doméstica
e familiar contra as mulheres.
“Contudo, há um longo caminho a
percorrer para se garantir um atendimento técnico, humanizado, que não
reproduza violência de gênero e que assegure uma solução eficaz, digna, célere
às vítimas, de modo a romper com o ciclo de agressões. Eis porque os juízes
devem se empenhar na solução desse tipo silencioso de pandemia”, ressalta.
Justiça em Rede
Lançado em 19 de agosto, na 18ª edição da Semana Justiça pela Paz em
Casa, o projeto envolve o TJMG, o Governo de Minas, por meio da
Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), a Assembleia
Legislativa de Minas Gerais (ALMG), o Ministério Público de Minas Gerais, a
Defensoria Pública de Minas Gerais, a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção
Minas Gerais (OAB-MG) e as Polícias Civil e Militar de Minas.
A ideia é reunir entidades públicas e não governamentais, nas áreas de
segurança, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação para
efetivar programas de prevenção e combate a todas as formas de violência contra
a mulher.