Dia Nacional do Livro: hábito da leitura aumentou na pandemia
Mercado passa por momento de alta após crise de vendas na pandemia
A pandemia de covid-19 fez com que a população de
todo o mundo passasse por experiências de isolamento e distanciamento social.
Para muitas pessoas, os grandes companheiros durante estes momentos foram os
livros, que são celebrados nesta sexta-feira (29) - Dia Nacional do Livro - em
todo o território nacional.
As livrarias, que tiveram que fechar as portas logo
no início da emergência sanitária, foram altamente afetadas pela
impossibilidade de vendas. Agora, registram o retorno gradual do público e o
aumento significativo nas vendas de livros em geral.
“As
pessoas compraram muito mais livros [na pandemia]. Passados os quatro primeiros
meses, quando houve muita incerteza e muitas dificuldades até mesmo de
logística e de lojas fechadas, as pessoas começaram a se reconectar e as vendas
cresceram, o que observamos no mundo inteiro. Aqui no Brasil demorou um pouco
mais. Começamos a notar isso mais forte a partir de agosto. De setembro em
diante, o crescimento foi tão grande que praticamente recuperou todas as perdas
do período inicial da pandemia. E esse movimento permanece em 2021”,
disse Marcos da Veiga Pereira, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de
Livros (Snel).
Segundo ele, neste ano de 2021, o setor está
crescendo de forma robusta inclusive sobre 2019, período anterior à pandemia. “Acho que as pessoas redescobriram o prazer
de ler e [isso] recolocou o livro nos hábitos diários”, disse Pereira.
Ler é um hábito para a especialista em inovação
Solange Belchior, 43 anos. “Sempre foi
uma das minhas atividades favoritas nas minhas horas vagas”, disse ela, que
costumava ler cerca de dez livros por ano. Solange lê muito mais do que a média
nacional: a quantidade média de livros consumida pelo brasileiro é de apenas
2,5 livros inteiros por ano.
Como ocorreu com muitas pessoas, ela não conseguia
ler no início da pandemia. “O ano de 2020
foi muito intenso e eu não conseguia me concentrar. Li pouquíssimo, mas também
não me forcei a ler. Leitura tem que ser por prazer, não por obrigação”,
falou. Já neste ano de 2021, ela leu mais do que costumava: foram 26 livros
lidos até agora. “Em 2021 tudo mudou. Foi
o ano que mais li. Comecei a seguir no Instagram mais pessoas ligadas aos
livros e essas pessoas inspiram a gente a querer ler mais, saber mais”,
explicou.
Com menos deslocamentos pela cidade e menos
atividades presenciais, grande parte das pessoas também teve mais tempo livre
durante a pandemia. “Por conta do
trabalho, estudos, distância de casa e deslocamentos, o único tempo que tinha
para ler era no transporte público. Por conta da pandemia estou em home office
desde março de 2020, então tenho um pouco mais de tempo livre. Às vezes fecho o
notebook e já emendo um livro para desligar a cabeça dessa doideira corporativa”,
disse Pedro Balciunas, 26 anos, escritor, roteirista e jornalista.
Nesse tempo, ele também criou um perfil no Instagram
para publicar resenhas sobre livros.
“Como sempre li muito, as pessoas naturalmente vinham me procurar para pedir
dicas de livros, incentivos para ler mais. Então decidi maximizar isso com a
rede social, um lugar que te dá acesso a muita gente interessada no mesmo
assunto que você”, contou.
Balciunas tem o hábito de ler desde criança. E assim
como Solange, passou a ler mais durante a pandemia. “Em 2019, li 12 livros; em 2020 foram 14 livros. Até o momento, em 2021,
já foram 24”, falou.
AUMENTO
DE VENDAS
O Painel do Varejo de Livros no Brasil, divulgado
pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) a partir de pesquisa
feita pela Nielsen BookScan, demonstrou que, entre janeiro e setembro deste ano
foram vendidos 36,1 milhões de exemplares de livros, aumento de 39% em comparação
ao mesmo período de 2020.
Apesar da base de comparação ser baixa, já que em
2020 o setor ainda enfrentava muitos problemas relacionados à pandemia, esse
aumento já é robusto em relação a 2019 também. “A gente está crescendo em 2021
em relação a 2019. A gente cresceu muito em relação a 2020, ano da pandemia.
Mas se comparar com 2019, é um crescimento robusto também”, afirmou Marcos da
Veiga Pereira, presidente do Snel.
COMPRAS
ONLINE
Em entrevista à Agência Brasil, Vitor Tavares,
presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), disse que a pandemia foi um
momento muito difícil para o setor. Principalmente nos primeiros meses após a
chegada do novo coronavírus ao Brasil, quando os governos determinaram o
fechamento do comércio não essencial - caso das livrarias. “A pandemia afetou muito, não só o setor
editorial, mas a economia como um todo. No começo da pandemia, ficamos muito
preocupados porque as livrarias e as editoras, no mês de março, pararam.
Ficamos praticamente 90 dias com o afastamento social. As livrarias físicas
estavam fechadas, sem faturar nada. Todo mundo ficou muito preocupado”,
disse Tavares.
“Depois,
em um segundo momento, a gente percebeu que a pandemia não ia terminar assim
tão rápido e começamos a nos reinventar. Os editores, por exemplo, se tinham
planejamento de fazer uma certa quantidade de livros, diminuíram pela metade.
As livrarias tradicionais, que já trabalhavam com vendas pela internet, tiveram
um aumento muito bom, até dobraram o faturamento das vendas de livros pela
internet. Foi o que de fato alavancou as vendas no ano de 2020”,
falou Tavares.
Solange foi uma das pessoas que comprou livros pela
internet durante a pandemia. “Comprei
muito mais livros na pandemia. E o consumo foi muito maior pelo e-commerce. Mas
com a volta da abertura do comércio, estou indo também em livrarias de rua pra
comprá-los”, disse Solange.
FICÇÃO
O gênero literário mais procurado durante a pandemia
pelos brasileiros foi ficção. “Em 2020,
as pessoas consumiram muitos clássicos. O autor mais vendido durante a pandemia
foi George Orwell, com A Revolução dos Bichos”, disse o presidente do Snel.
“Achei
um livro simples e atemporal, que dialoga com questões atuais, como
pós-verdade, exploração, corrupção, líderes insanos e escolhas de inimigos para
gerar crises”, descreveu Balciunas, um dos
brasileiros que conheceu a obra do escritor indiano radicado em Londres.
Outro livro que também apareceu entre os mais
vendidos nesse período foi a ficção distópica 1984, também de Orwell. “Todo
brasileiro deveria ler este livro”, acrescentou Solange.
Segundo o Snel e a CBL, outros gêneros literários
com alta demanda foram guias de culinária e gastronomia, livros infantis e
publicações sobre negócios.
NOVAS
PERSPECTIVAS
Com o avanço da vacinação e a consequente diminuição
dos casos de covid-19, as livrarias brasileiras puderam reabrir. Isso
possibilitou também que novos livros fossem lançados no mercado. “Na pandemia, foi muito difícil lançar
livros novos. As livrarias fechadas impediram que a gente pudesse apresentar
novidades. E isso tem acontecido agora em 2021. Vamos perceber um crescimento
muito forte no número de novos produtos lançados”, disse Pereira.
“As livrarias
começaram a reabrir e a gente viu que o público leitor começou a voltar a
comprar livros. O brasileiro, na pandemia, não deixou de ler. Assim como os
autores não deixaram de escrever. Tivemos aumento muito interessante de novos
livros, novos lançamentos”, falou Tavares, citando que as inscrições para o
Prêmio Jabuti, que é organizado pela Câmara, tiveram um grande aumento neste
ano. Outro fenômeno ocorrendo com o avanço da vacinação é a abertura de novas
livrarias físicas, principalmente na cidade de São Paulo.
Para incrementar as vendas, o setor também aposta em
outras estratégias para se aproximar do leitor. “Sempre fomos muito passivos em relação ao consumidor. Mas isso passou a
ser mais ativo na pandemia, na medida em que a comunicação passou a ser online,
todos os departamentos de marketing das principais editoras passaram a centrar
atividades e esforços, em construir uma base de relacionamento direto com seus
leitores. O livro passa a ser muito mais presente em sua vida”, disse o
presidente do sindicato.
Outra estratégia citada por Tavares foi que as
livrarias, principalmente as menores, passaram também a vender pela internet,
utilizando suas redes sociais. “As
livrarias de bairro, as menores, foram as que mais sofreram na pandemia. Elas
não têm um capital para ficar fechadas por um período muito longo. A gente viu
que muitas delas tiveram que fechar ou ser vendidas. Mas também percebemos que
muitas começaram a adquirir, correr atrás e vender livros pela internet,
Whatspp, por rede social, fazendo lives”.
Depois desse período mais difícil da pandemia, o
setor agora se anima também com a volta dos eventos presenciais dedicados ao
livro, como a Bienal do Livro de São Paulo. Em julho de 2022, ela volta a ser
presencial e vai prestar uma homenagem a Portugal, como parte das celebrações
pelos 200 anos da Independência do Brasil.
Apesar dessas perspectivas positivas, o setor ainda
batalha para impedir que a taxação sobre os livros seja aprovada. Desde 1946,
os livros são isentos de impostos, mas uma proposta de reforma tributária do
governo prevê o fim dessa isenção. “Temos
combatido, lutado muito, para que o livro não seja tributado e para que ele
seja acessível cada vez mais para a população como um todo”, disse Tavares.
DIA
DO LIVRO
Em celebração ao Dia Nacional do Livro, Solange
reforça a importância da leitura como instrumento de transformação. “Acho que é uma troca muito intensa de
conhecimento entre o escritor e o leitor. Além claro, de que quanto mais se lê,
mais a gente entende as questões políticas e sociais que envolvem nosso dia a
dia. Com isso, começamos a pensar e agir de forma diferente para que o cenário
mude”, refletiu.
“Dica? Desligue do celular e vá ler um livro”,
acrescentou. “Nada contra TV, séries,
novelas, eu mesmo adoro tudo isso, mas leitura é uma forma muito mais potente e
dinâmica de estimular o nosso cérebro, isso é científico. Ela te coloca em
contato consigo mesmo de uma maneira muito sutil e que ativa capacidades
cognitivas de atenção, foco e concentração que nenhum outro meio possibilita.”
Fonte: Agência Brasil