Novo ensino médio é implantado em meio a dúvidas e polêmicas
O debate se coloca entre aproximar jovens alunos do mercado de trabalho e a radicalização de nossas desigualdades
A educação
pública brasileira é sempre colocada como prioridade de todos os governos.
Desde a redemocratização, muitos avanços foram conquistados, como a
universalização do acesso de todas as crianças à escola — com as deficiências
que todos conhecemos. O ensino superior tem seus problemas estruturais, mas
nossas universidades, aos sobressaltos, se mantêm com alguma dignidade. Grave
mesmo, e isso é unânime, é o caos que se instalou no ensino médio.
Estudos feitos
pela Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) têm mostrado que é no
ensino médio que estão os piores índices de aprendizado e os maiores índices de
evasão escolar. Uma tragédia, na qual formamos uma legião de jovens analfabetos
funcionais e precários até nas quatro operações aritméticas.
Em 2017, durante
o breve governo Temer, foi colocado em votação, à toque de caixa, um
projeto que vinha sendo discutido há décadas — o que, de certa forma,
justificou o açodamento em aprovar a Lei 13.415/17 e a BNCC (Base Nacional
Comum Curricular) do ensino médio. Desde então, abriu-se uma batalha campal (e
pedagógica) entre os que defendem a nova lei e os que a consideram um erro de
consequências incorrigíveis, que vão aprofundar ainda mais nossa crise
educacional.
Pandemia adiou o início do novo modelo de ensino médio, aprovado em 2017/ REPRODUÇÃO/RECORD TV
Em resumo,
pois o tema tem várias camadas de complexidade, o novo ensino médio partiu do
princípio, inquestionável, de os jovens alunos estarem desestimulados, não
verem sentido nas aulas dadas e se sentirem despreparados para o mercado de
trabalho. Dessa avaliação correta, a de que era preciso mudar urgentemente, os
legisladores extinguiram o modelo único (nacional, federativo) de currículo.
Uma ruptura sensível, radical.
Pandemia atrasou início do novo ensino médio
Essa nova versão deveria ter entrado em vigor em
2022, mas a pandemia adiou para este ano o início desse processo que, todos
sabem, será longo. Continuarão como disciplinas obrigatórias a educação física,
arte, sociologia e filosofia, pois são exigências da LDB (Lei de Diretrizes
Básicas) do MEC. O mesmo ocorrerá com língua portuguesa e matemática, presentes
nos três anos do curso. A novidade da nova lei é a inclusão da obrigatoriedade
da língua inglesa desde o 6º ano do ensino fundamental.
O debate (em
meio à perplexidade e desinformação reinante entre os professores que cuidam do
cotidiano escolar, longe dos gabinetes do MEC e do Legislativo) se dá no
conceito pedagógico que norteou e agora sinaliza toda a reforma. É preciso
atenção e paciência para compreender aonde querem chegar, e se é possível,
esses novos rumos educacionais.
A princípio, o
novo ensino médio quer acabar com o que se chama de “conteudismo”, aquela
infinidade de conteúdos universais que todo aluno sabe que será exigido em
qualquer vestibular, mas que, ao mesmo tempo, a escola pública não tem
conseguido contemplar. O que seria colocado no lugar?
A intenção é a
de aproximar o estudante, por um lado, de carreiras profissionais técnicas; de
outro, deixar que o próprio aluno construa seu “itinerário formativo”, a partir
de suas expectativas e afinidades pessoais. A carga horária será expandida,
progressivamente, de 800 horas/aula para 1.400 horas/aula, podendo ser
ampliada. E, nessa grade, haveria amplo espaço para agregar novos
conhecimentos, projetos de pesquisa e até mesmo disciplinas de interesse bem
específico. Seria a consagração da chamada interdisciplinaridade, o cruzamento
contínuo de saberes. Parece lindo, né?
O protagonismo,
nesse modelo, estaria nas mãos dos alunos, e não mais nas dos professores e
instituições. O tal percurso ou itinerário formativo (é esse o jargão utilizado
pelos pedagogos) se ancora em quatro áreas: Matemáticas e suas Tecnologias,
Ciências da Natureza e suas Tecnologias, Linguagens e suas Tecnologias e
Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Como se percebe, cabe o mundo em tudo
isso aí.
Essas áreas de
percurso têm “eixos estruturais”: investigação científica, processos criativos,
mediação e intervenção sociocultural e empreendedorismo. Essa imensidão ficaria
a cargo de cada escola, em cada território, num estreito regime de colaboração
das unidades educacionais dentro de cada estado e em sintonia com a União, ou
seja, o MEC. Complicou?
Algo que os
críticos da reforma dizem, de forma afobada, é que foram retiradas disciplinas
como história, física e química. Não é bem assim. Cada escola, e se imagina que
isso seja o caminho natural, poderá oferecer essas aulas, o que deve ocorrer,
até porque já há essa oferta desde sempre, e assim permanecerá. Elas só não
constam na grade formal.
O risco de acentuarmos ainda mais as desigualdades
Mas um alerta que procede é que essas boas
intenções vão acentuar, na prática, as imensas desigualdades da realidade
brasileira, repleta de misérias e dificuldades, humanas e materiais. É fácil
imaginar as dificuldades que escolas do Brasil mais profundo vão ter de
enfrentar. A começar da já constatada má formação pedagógica de nossos
professores. Em seguida, os recursos financeiros que, além de insuficientes,
muitas vezes não chegam à sala de aula.
Para muitos
especialistas contrários à reforma, ela é excludente e reducionista. Pois, ao
final, vai rebaixar o resultado global e oferecer “um ensino pobre aos pobres”.
Os grandes centros e suas escolas de qualidade vão dar conta mínima desses
desafios. As escolas particulares continuarão muito à frente das públicas, pois
já experimentam esses “itinerários” há alguns bons anos.
Por fim, a nova lei abre espaço para a terceirização da grade curricular não formal, por meio de parcerias com os grandes sistemas de ensino, cada dia mais concentrados em um cartel informal que já se alimenta fartamente de dinheiro público com seus livros didáticos e módulos padronizados de estudo.
Fonte: R7
Vanderlei Gontijo
COMENTÁRIOS DESABILITADO(1)
-
EDMAR EUSTáQUIO DE SANTANA
É triste, caótico a situação da educação brasileira.
22/02/2023 22:59
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