Trabalho híbrido pode piorar qualidade do sono, diz pesquisador
O sono tem que ser permitido e natural
A tendência da adoção definitiva do modelo híbrido
de trabalho, aquele que alterna entre as atividades presenciais com o home
office pode gerar dificuldades para o sono regular das pessoas e até aumentar
ou provocar insônia. Segundo pesquisadores do Instituto do Sono, esse modelo de
trabalho traz um desafio adicional, que consiste na mudança de horário entre os
dias de atividades presenciais com home office. Enquanto nos dias de trabalho
presencial, a pessoa precisa de mais tempo entre acordar e chegar ao posto de
trabalho, ao ficar em casa é possível estender as horas de sono.
Além de quebrar a rotina do horário de dormir e
acordar, o trabalho híbrido pode estragar a qualidade do sono pelo fato de que
trabalhando em sistema remoto, as pessoas dividem seu tempo em casa entre
trabalho, estudos dos filhos e rotina doméstica, dividindo a jornada de oito
horas ao longo do dia para conseguir realizar todas as tarefas, hábito já
observado no período da pandemia, quando o trabalho estava sendo desenvolvido
só remotamente. “E as empresas
flexibilizaram o trabalho que não tiveram mais receio de mandar um e-mail à
meia-noite, esperando resposta”, disse o biomédico e pesquisador do
Instituto do Sono, Gabriel Natan Pires.
De acordo com ele, para manter uma boa qualidade do
sono, o indivíduo precisa seguir uma rotina com horários determinados para
lazer, trabalho, alimentação e descanso e não seguir esses hábitos pode
resultar até mesmo em reflexos negativos para o sistema imunológico. “É como se o nosso cérebro precisasse de
pistas para entender quando chega hora de dormir e a hora de acordar”,
comenta.
Segundo Pires, nos dias de home office, o
trabalhador pode até dormir um pouco mais porque não precisará enfrentar o
trânsito para chegar ao trabalho, mas é importante que inicie e encerre o
expediente nos mesmos horários. “Esse
esquema dará certo se a corporação zelar pela saúde mental do colaborador e o
profissional não abrir mão do seu sono para aumentar a produtividade. Mesmo
porque é uma utopia trabalhar até as 23 horas e achar que às 23h05 estará
dormindo”.
Ele destaca que outro desafio para o trabalho
híbrido é ter em casa um ambiente de trabalho adequado para não prejudicar a
saúde e manter a rotina. Aqueles que já têm tendência à insônia precisam manter
a regularidade do trabalho e dos hábitos saudáveis, porque qualquer alteração
mínima pode piorar o quadro. "É
preciso ter um regramento para ver se essa pessoa que está se dispondo ao
trabalho híbrido consegue realmente se adequar isso. A ideia é a de que pessoas
que não conseguem, prefiram o trabalho no escritório porque se a rotina incerta
prejudica o sono, estar no escritório pode ser menos prejudicial”.
Pires ressaltou ser necessário que trabalhador e
empresa negociem a forma mais confortável para que a produtividade se mantenha,
mas a disponibilidade para isso varia de acordo com a ideologia da direção.
"Há empresas que têm uma visão mais
tradicional e não aceitam que o funcionário escolha seu horário de trabalho. A
flexibilização é importante porque há pessoas com tendência fisiológica de
acordar e dormir mais tarde, como há aquelas que acordam e dormem mais cedo.
São as pessoas matutinas e as vespertinas. Isso é uma variação normal".
Trabalho remoto e insônia
Segundo Pires, a pandemia de covid-19 gerou outra
pandemia, a de insônia, com pelo menos 60% das pessoas tendo seu sono
prejudicado seja por conta da ansiedade devido à crise sanitária ou pelas
alterações de rotina. A princípio a percepção era a de que o trabalho em casa
poderia auxiliar as pessoas a dormirem melhor, porque teoricamente elas
poderiam escolher seus horários de trabalho e não gastariam tempo de deslocamento,
o que não ocorreu.
"Uma
coisa é trabalhar em casa porque escolheu isso, outra é ter quer trabalhar
porque foi imposto, sabendo que não tenho ambiente adequado e que tenho que
ficar trancado, assim como meus filhos que não podem ir para a escola. Não foi
um trabalho remoto adequado. Isso alterou a rotina e o sono perdeu espaço
porque o trabalho em casa sem regra picotou e estendeu a jornada de trabalho,
que ficou sem hora para terminar".
Um dos principais problemas para o sono é quando se
leva o trabalho para o quarto, principalmente para quem tem insônia, porque para
o sono natural e de qualidade acontecer é preciso que o cérebro desacelere aos
poucos. Trabalhando até antes de dormir, leva-se tudo isso para a cama e no
momento em que o cérebro deveria desacelerar a pessoa está levando o stress que
o reacelera, gerando uma reação parecida com a de stress pós traumático, disse.
"Se
eu comecei a levar o celular para a cama e comecei a estressar, com o tempo meu
cérebro vai associar a minha cama com um ambiente de stress. No passado eu
deitava na minha cama e o sono já vinha porque aquilo era um ambiente de
relaxamento, agora não", explicou.
Pires disse que nenhum tipo de sono induzido é
recomendado e que, apesar de sono ser um processo cerebral complexo, é preciso
que aconteça naturalmente. Por isso é necessário entender que o sono deve ser
uma prioridade na agenda e que a pessoa não seja privada de sono. "Se eu entender que quero dormir por volta
das 22h, devo entender que a partir das 20h eu já tenho que começar a
desacelerar. O sono tem que ser permitido e natural".
Piora do sono
Uma pesquisa do Instituto do Sono revelou que 55,1%
apresentaram piora do padrão de sono durante a pandemia de covid-19, período no
qual predominou o trabalho remoto. Além do aumento das preocupações, a mudança
de rotina foi um dos motivos mencionados pelos mais de 1.600 participantes do
levantamento, que citaram ainda o medo de adoecer, a insegurança financeira e a
distância da família e amigos.
Segundo dados do o Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA), na fase mais aguda da pandemia, 11% dos brasileiros aderiram
ao trabalho remoto, totalizando de 8,4 milhões de pessoas em 2020. Deste
percentual, 63,9% eram da iniciativa privada, dos quais 51% eram ligados à
educação, 38,8% ao setor financeiro e 34,7% a atividades de comunicação.
Dicas para assegurar uma boa noite de sono
- Mantenha uma rotina: estabeleça horários para o
sono, alimentação, exercícios físicos, lazer, trabalho e atividades com a
família.
- Arranje um lugar específico para trabalhar:
procure um local da casa para desempenhar suas funções profissionais. Se
possível, evite escolher o quarto. É importante que o cérebro associe o quarto
como um ambiente ao descanso e tranquilidade, não a uma atividade estressante.
- Não leve o notebook ou celular para cama: o
excesso de interatividade e a luz das telas desses aparelhos atrapalham o sono.
- Desacelere antes de dormir: pelo menos uma hora
antes de se deitar faça uma atividade relaxante: tome banho, leia, ouça música,
faça meditação ou qualquer outra atividade que ajude a desacelerar.
- Evite alimentos pesados e bebidas com cafeína:
faça refeições leves até duas horas antes de deitar. Não tome café, energéticos
e chá preto e outras infusões que contêm cafeína à noite.
- Exponha seu corpo à luz pela manhã: abra as
janelas, caminhe pelo jardim ou pelo quintal. Assim você mostra ao seu cérebro
que é dia e, portanto, hora de trabalhar.
- Conheça seu cronotipo: o ciclo circadiano, que
compreende vigília e sono, dura cerca de 24 horas. Cada pessoa tem seus
horários de preferência para dormir e acordar. O cronotipo é o nosso perfil de
preferência circadiana.
Fonte: Agência Brasil